Por Carol Maia
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A segunda noite do Cine PE iniciou com grandes expectativas, afinal, a exibição dos filmes “O Mercado de Notícias”, de Jorge Furtado, e “Getúlio”, de João Jardim, figuravam como estrelas na programação do dia.
As poltronas do Teatro Guararapes nem de longe estavam 100% tomadas, mas com as luzes apagadas nem parecia. A plateia precisou de fôlego para ovacionar o documentário “O Mercado de Notícias”, que à subida dos primeiros créditos já arrancava estrondosos aplausos. Não por acaso.
O veterano gaúcho em seu nada menos que perfeito projeto apresenta a eterna crise ética da imprensa, através de questões observadas desde 1625, no engatinhar das atividades jornalísticas, pelo dramaturgo inglês Ben Jonson, em sua divertidíssima peça analítica “The Staple of the News”.
O diretor de “O Mercado de Notícias”, Jorge Furtado (Imagem: Valter Andrade)
Com as aspas de nomes imprescindíveis ao campo do Jornalismo de referência (Bob Fernandes, Cristiana Lôbo, Fernando Rodrigues, Geneton Moraes Neto, Janio de Freitas, José Roberto de Toledo, Leandro Fortes, Luis Nassif, Mauricio Dias, Mino Carta, Paulo Moreira Leite, Raimundo Pereira e Renata Lo Prete), Furtado reacomoda um tema tão contundente: a credibilidade dos profissionais da notícia. Reacomodar no sentido elucidativo, não custa dizer, porque tenho sinceras dúvidas se alguém que assistia àquela sessão encerrou as atividades do dia com a mente pacata.
Entre as encenações teatrais do número britânico e depoimentos, a relação entre o jornalista e a sua mercadoria (o fato) é posta como um embate invisível aos olhos da massa. Pois não é raro quem consome informação achar que está consumindo notícia. A construção da narrativa nos propõe que o desconhecimento faz a passividade social virar degrau para o poderio das cadeias de comunicação. Os interesses ideológicos, políticos e comerciais dos proprietários de veículos, muitas vezes, fazem farra com a consciência pública, projetando falácias, histórias mal apuradas e fatos irrisórios.
Os bastidores da imprensa, como pano de fundo desse valioso projeto cinematográfico, tornam-se um assunto tão recorrente, principalmente em tempos de revolução digital. O mais curioso é que quase quatro séculos após o diagnóstico de Jonson, a conduta jornalística sofre dos mesmos vícios: a corruptível intermediação entre fato e leitor, a manipulação da informação e a ligação promíscua com as fontes.
Assista ao trailer de “O Mercado de Notícias”:
Após o intervalo, foi a vez de “Getúlio” cantar de galo no festival pernambucano. Com elenco de peso (Drica Moraes, como Alzira Vargas; Alexandre Borges, como Carlos Lacerda; além de Adriano Garib, Marcelo Médici, Alexandre Nero, Jackson Antunes, Leonardo Medeiros, Daniel Dantas e Clarisse Abujamra), o diretor João Jardim sabia da força que tinha nas mãos ao emprestar às telas os últimos 19 dias de vida de um dos presidentes mais emblemáticos da história política do Brasil.
O cineasta João Jardim estreia na ficção com a obra “Getúlio” (Imagem: Valter Andrade)
Tony Ramos assumiu Getúlio e, sem surpresa, mostrou a que veio. Exatamente quatro dias antes da estreia nacional, no Dia do Trabalhador (data escolhida pontualmente para relembrar as conquistas do trabalhador na Era Vargas; o salário mínimo, a jornada de trabalho de 8hs, o direito a férias anuais remuneradas, por exemplo), o público do Cine PE pôde mergulhar nos momentos mais angustiantes da passagem do gaúcho pelo Palácio do Catete (RJ).
Mas quem pretende ir ao cinema em busca de uma aula de História ou da biografia de Getúlio, pode se decepcionar. O recorte do filme narra as tensões internas sucedidas após o atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, que terminou com a morte do Major Vaz. Mesmo pressionado pela UDN – encabeçada por Lacerda – e pela Aeronáutica, ambas responsáveis pelas investigações do caso, Getúlio resolve se manter no poder. O presidente vai até as últimas, mas não suporta as pressões. Em 24 de agosto de 1954 ele atira no próprio peito.
“Getúlio” é um filme digno, da semelhança dos atores com seus respectivos personagens à proposta de aproximar a verdade do que realmente foi varrido para debaixo do tapete antes do suicídio mais comentado do Brasil.
Confira o trailer de “Getúlio”:
A noite também abriu espaço para “1960″, um home-movie português criado a partir do Diário de Bordo da viagem do arquiteto Fernando Távora, em 1960, e para dois curtas-metragens nacionais.
O primeiro, Frascos, da pernambucana Ariana Nuala, nada mais é que uma experimentação lúdica. As essências contidas em frascos são capazes de transcender o cotidiano com seus mistérios. O segundo é uma sacada daquelas. Ecce Homo (RJ), de Clodoaldo Lino, é uma fábula que nos coloca frente a frente com o nível extremo de violência praticado pelos homens contra a vida animal.