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Por Orlando Margarido
Estou no Recife para mais um Cine PE. Na verdade, não venho ao festival do casal Bertini há dois anos, ou mais, pela data sempre muito próxima a Cannes. Houve edição que cheguei a embarcar daqui diretamente para a Riviera francesa. Gosto do evento que é chamado carinhosamente de Maracanã dos festivais.
E por que? Mais de duas mil pessoas, e algumas vezes, dizem, já se contabilizou três mil, lotam o centro de convenções de Olinda para acompanhar os filmes. A participação é digna de final de campeonato. Uma maioria jovem, estudantes, aplaude com força. Se é animador testemunhar tamanha receptividade ao cinema nacional, também a acolhida não serve de termômetro a qualidade dos filmes, pois o inverso, uma fria recepção, nunca vi acontecer. Este ano o Cine PE testa sua capacidade de empolgar também com o cinema estrangeiro. Não escolheu uma data a toa para internacionalizar-se. São dezoito edições, e Alfredo e Sandra Bertini tinham a promessa de buscar o mundo quando o festival alcançasse a maioridade. Com esta, veio outra mudança. A curadoria agora é do jornalista Rodrigo Fonseca, aliado aos anfitriões.
Como um dos titulares até bem pouco tempo (agora sua colaboração é eventual) da reportagem e crítica de cinema de O Globo, ele costumava rodar os festivais internacionais, Cannes inclusive. Ou seja, conhece a nova produção diretamente na fonte. Rodrigo tem fama, e não esconde, de preferir um cinema mais pop. Mas sabe reconhecer a boa autoria e também o cinemão, como se diz, quando precisa. Por isso uma seleção diversificada, ainda que a abertura tenha privilegiado o gosto mais excêntrico. Ontem a noite, primeira da maratona e não-competitiva, o escolhido para inaugurar a nova etapa de vida do festival foi o novo filme de Wes Anderson, O Grande Hotel Budapeste.
Ninguém pode acusar o Cine-PE de não começar em grande estilo. Pois se é uma coisa que o cinema de Anderson tem é estilo. A Berlinale concorda e também abriu sua edição em fevereiro com o mesmo filme. Um bando de estrelas tomou conta do tapete vermelho, então. Anderson tem poder de mobilização. Além de contar com Ralph Fiennes como protagonista, ele reuniu parte de sua trupe habitual, Tilda Swinton, Adrien Brody, Bill Murray, entre outros, e se dá ao luxo (outra das "qualidades" de seus filmes) de trazer para rápidas aparições ou mesmo pontas de Jude Law, Harvey Keitel, Edward Norton… Nenhum deles, no entanto, veio ao Recife. Ficamos apenas com o universo surreal, ou hiperrealista, colorido e um tanto vazio e infantilizado do tal "estilo" Anderson. Não escondo minha pouca vontade com seus filmes, e já defini até como penoso vê-los. Foi um pouco menos desta vez, mas apenas depois de saber nos créditos finais que o diretor se inspirou nos escritos de Stephan Zweig, o autor vienense que se instalou no Brasil fugido do nazismo. Zweig suicidou-se em Petrópolis, e a data e o local estão assinalados ao final do filme. A barbárie da perseguição aos judeus, e o escritor era um deles, colaborou para a atitude desesperada. Bem, mas não é este o contexto que interessa a Anderson, e sim aquele marcado por um preceito imperial, de velho mundo de regras de pompa e circunstância que começa a ruir e vai encontrar a era comunista. São estes os dois tempos do fillme. O nome Budapeste não é mero acaso no hotel sofisticado em algum lugar dos alpes, e se refere ao Império Austro-Húngaro do qual provém um jovem Zweig, nascido em Viena. Mas nada disso tem grande impacto no filme. Anderson superficializa tudo, embora há quem acredite ser ele crítico por baixo da roupagem de estranheza.
A programação
Melhor é a leva inicial dos filmes competitivos hoje à noite. Na seção nacional são dois belos trabalhos, e o mais estimulante, de gênero e apelos diversificados, o que dá a dimensão de como anda nossa produção. O primeiro a ser exibido é O Mercado de Notícias, a estréia de Jorge Furtado no documentário de longa-metragem. Como ocorre a muitos de seus curtas, há a mescla de ficção e aparato documental. Este dá conta da discussão sobre a mídia brasileira, de como anda a nossa imprensa em quesitos como credibilidade e partidarismo. Furtado entrevista treze profissionais reconhecidos, mas também aqueles que costuma ler. Desta CartaCapital estão representados Mino Carta e Maurício Dias. O diretor gaúcho assume o viés à esquerda, pois ele é um homem que comunga das idéias em prisma mais a esta vertente, mas acredita ter feito um filme polifônico. A contribuição ficcional é um achado, na montagem realizada especialmente para o longa de The Staple of News, peça do dramaturgo inglês Ben Jonson, um contemporâneo de Shakespeare menos difundido por aqui. Enfim, não vou me estender muito. Publiquei uma conversa com Furtado nesta edição impressa da revista. Leiam lá.
Em seguida passa Getúlio. João Jardim recria em tom de thriller político os últimos dias de Getúlio Vargas no Catete. Até o tiro suicida, vemos os bastidores de um painel ágil e intricado de interesses e relações que se seguiram ao atentado de Carlos Lacerda. O diretor já indicou a influência de O Sol, de Sokurov, sobre o imperador japonês Hirohito em seus dias de confinamento ante a inexorável derrota aos americanos na Segunda Guerra Mundial. Troque-se a nomenclatura pela de um ditador, como muitos avaliam o presidente dos trabalhadores, e se terá muito do contexto semelhante em que Vargas se encontrava naquele momento. O filme, aliás, chega em outro momento significativo. É oportuno, e Jardim não perde isso de vista, de recordar essa fatia de nossa história nos cinquenta anos do golpe. É conhecido o pensamento que a partir dali, com o suicídio de Vargas, segurou-se a tomada de poder dos militares até 64. Toda a mobilização desta "quase" está no filme, que nos traz bom elenco, a começar com Tony Ramos e os trejeitos e tipo bonachão de Getúlio e Drica Moraes, como Alzira, a filha onipresente e braço direito do presidente. Há boa promessa ainda do documentário português 1960, de Rodrigo Areias, exibido na Mostra de São Paulo, mas em sessão com muitos problemas. Quem sabe aqui podemos ver o primeiro concorrente estrangeiro em boa projeção. A seguir, a lista dos demais competidores em longa-metragem.
O MENINO NO ESPELHO (MG) – FICÇÃO, de Guilherme Fiúza Zenha
“MUITOS HOMENS NUM SÓ” (RJ) – FICÇÃO, de Mini Kerti
ROMANCE POLICIAL (RJ) – FICÇÃO, de Jorge Durán
MUNDO DESERTO DE ALMAS NEGRAS (SP) – FICÇÃO, de Ruy Veridiano
TODOS TENEMOS UN PLAN (ARGENTINA) – FICÇÃO, de Ana Piterbarg
ANNI FELICI (ITÁLIA) – FICÇÃO, de Daniele Luchetti
CORBINIANO (PE) – DOCUMENTÁRIO, de Cezar Maia
E AGORA? LEMBRA-ME (PORTUGAL) — DOCUMENTÁRIO, de Joaquim Pinto