O CINE PE 2025 segue movimentando o cenário cultural pernambucano com uma programação plural. Neste sábado (14), o festival promoveu o lançamento de quatro obras que dialogam com temas essenciais da educação, cultura e crítica cinematográfica. O evento aconteceu no Novotel Recife Marina, reunindo os autores em uma mesa de debate com o público logo após os lançamentos. A programação integrou as atividades paralelas do festival, que segue até o dia 16 de junho com exibições de filmes e homenagens.
O economista e ex-ministro da Educação Cristovam Buarque apresentou o livro Escola é Escada, no qual defende a educação pública como principal instrumento de mobilidade social no Brasil. Com sua reconhecida experiência e trajetória na área, Buarque propõe reflexões sobre como a escola pode – e deve – funcionar como uma escada para superar desigualdades históricas. “Os degraus para o sucesso entre esses jovens são muito parecidos. Eles têm mães que se convenceram que os filhos, mesmo pobres, podem ter sucesso a partir da educação. Todos eles passaram por escolas federais e participaram de olimpíadas, que os garantiram bolsas de estudo para cursar em boas escolas particulares. Isso os levaram a boas universidades e, depois, a empreender”, pontuou o autor. “A gente precisa garantir que todos subam essa escada ou ao menos que todos tenham a mesma chance. Esse é o objetivo que eu desejo”, completou.
Já o gestor cultural e diretor do festival, Alfredo Bertini, lança Nem 8, Nem 80, coletânea de crônicas publicadas na imprensa pernambucana, com reflexões que transitam entre política, economia, cultura e sociedade. O livro convida o leitor a escapar dos extremos e buscar um olhar mais equilibrado e crítico diante das complexidades do mundo contemporâneo.
O pesquisador e cineasta Lúcio Vilar apresentou Luz, Cinefilia… Crítica, obra que resgata a produção crítica do paraibano Linduarte Noronha, pioneiro na crítica cinematográfica no Nordeste. O livro compila cerca de 60 textos publicados por Noronha na década de 1950, além de análises contemporâneas que reafirmam a importância de sua contribuição para a formação de um olhar crítico sobre o cinema brasileiro.
Compondo a mesa, Amanda Karoline, autora do livro “De Tambába à Prisão: uma trama real de violências e abusos no paraíso do nudismo brasileiro”, compartilhou com o público a dor e a força por trás de sua escrita. Amanda narra sua trajetória de vida marcada por violência doméstica. Ela revelou que o processo de registrar sua história enquanto cumpria pena no sistema prisional foi profundamente desafiador, a ponto de interromper temporariamente a escrita. No entanto, um encontro com uma policial que também vivia em silêncio as marcas da violência doméstica foi decisivo para que ela retomasse o livro como um ato de resistência. “Escrevi esse livro no sistema prisional e eu me revoltava a cada momento, porque relembrava as situações de abuso. E eu parei! Um dia uma policial me perguntou por que eu não estava escrevendo e eu falei que tinha desistido, porque era muito doloroso. E ela disse que passava pela mesma coisa que eu passei e que tinha vergonha de contar, porque o marido era delegado. Então eu continuei a escrever para não silenciar. Falar de violência, principalmente quando vai pra alma, é doloroso demais. Hoje, contar a minha história é contar a história de muitas mulheres”, pontua Amanda.
Na sexta-feira (13), o Cine PE 2025 celebrou a trajetória do ator Júlio Andrade, um dos nomes mais expressivos do cinema e da televisão brasileira contemporânea. O prêmio Calunga de Dourada, símbolo de reconhecimento e prestígio no audiovisual pernambucano, foi entregue pelo cineasta Beto Brant, que esteve com Júlio no palco do Cine PE em 2007 com O Cão Sem Dono, grande vencedor do festival naquele ano.
Beto Brant e Júlio Andrade compartilham uma longa história de colaboração e admiração mútua. Brant, que esteve à frente de importantes projetos que destacaram talentos locais e nacionais, já dirigiu Júlio em produções que marcaram a trajetória do ator, fortalecendo uma parceria artística que ultrapassa as telas. “Essa homenagem simboliza o reconhecimento da excelência do trabalho de Júlio Andrade”, pontuou Brant.
Reconhecido pela versatilidade e profundidade de suas interpretações, Júlio Andrade se destacou em produções que marcaram a última década, mesclando trabalhos no cinema independente e grandes séries televisivas. Durante a cerimônia, foram exibidos trechos selecionados de seus filmes mais icônicos, que evidenciaram sua capacidade de dar vida a personagens complexos e multifacetados.
No palco do Cinema do Teatro do Parque, Júlio Andrade não conteve a emoção ao receber a homenagem do Cine PE. “Quando a gente recebe uma homenagem como essa, nunca vem sozinho. Meu ciclo de amigos é enorme, meus mestres são muitos. Agradeço a Pernambuco, esse estado que eu amo, a Alfredo e Sandra por me darem esse presente, à minha família e ao Beto, que é um dos meus mestres”, declarou o ator.
Exibições da noite — A programação de sexta-feira (13) seguiu com a Mostra Competitiva de Curtas-Metragens Pernambucanos, que exibiu a animação #Partiu, de Ísis Gomes. Na Mostra Competitiva de Curtas-Metragens Nacionais, foram apresentados Tu Oro (AP), ficção dirigida por Rodrigo Aquiles, e Depois do Fim (SP), ficção dirigida por Pedro Maciel.
Fechando a noite, a Mostra Competitiva de Longas-Metragens exibiu o filme Nem Toda História de Amor Acaba em Morte (PR), ficção dirigida por Bruno Costa.
Sábado no Cine PE tem palestra, lançamentos de livros e homenagem a Leandra Leal
A programação do sábado (14) no Cine PE 2025 será marcada por uma série de atividades que conectam educação, cultura e cinema. Às 15h, o economista, filósofo e escritor Eduardo Giannetti comandará uma palestra com o tema “Educação, Cultura e Sustentabilidade”, no Novotel Recife Marina.
No mesmo horário, o Cinema São Luiz receberá a Mostra Paralela – Sessão Matinê, com entrada gratuita, apresentando os filmes Deixa (RJ), ficção dirigida por Mariana Jaspe, e Mambembe (GO), documentário de Fabio Meira, exibidos dentro da Mostra Grandes Festivais.
Às 16h, no Novotel, acontecerá o debate sobre o livro Escola é Escada, do economista e educador Cristovam Buarque. Em seguida, às 17h, será realizado o lançamento coletivo das obras Escola é Escada, Nem 8, Nem 80, de Alfredo Bertini, e Luz, Cinefilia… Crítica, de Lúcio Villar.
A noite encerrará com as tradicionais exibições da Mostra Competitiva de Longas, às 19h, no Cinema do Teatro do Parque, com acesso gratuito mediante inscrição no Sympla. Antes da sessão, o festival prestará uma homenagem artística à atriz Leandra Leal, seguida da exibição do longa Hors Concours Os Enforcados (SP), ficção dirigida por Fernando Coimbra.
O economista, filósofo e escritor Eduardo Giannetti lançou seu novo livro, Imortalidades, nesta sexta-feira (13), no Novotel. O evento integrou a programação cultural do CINE PE 2025, somando literatura ao leque de expressões artísticas promovidas pelo festival. A obra propõe uma reflexão sobre os modos pelos quais os seres humanos buscam transcender a morte, seja pela fé, pela arte, pela ciência ou pela memória.
Com a obra, Giannetti mais uma vez cruza fronteiras entre a filosofia, a economia e a literatura, oferecendo ao leitor uma análise profunda sobre os sentidos da existência e as estratégias simbólicas e concretas que a humanidade desenvolveu para lidar com a finitude.
Durante o lançamento, o autor destacou que Imortalidades trata de um tema universal que é o anseio humano de perenidade. “São quatro as formas pelas quais, desde a mais remota ancestralidade, buscamos sobrepujar nossa finitude biológica: prolongar a vida, cultivar esperanças supraterrenas, deixar um legado e viver o presente absoluto, os momentos eternos”, pontuou.
Giannetti explicou que essas quatro manifestações não se excluem e variam de acordo com o tempo e a cultura. “Na Idade Média, por exemplo, o foco estava na outra vida. Já em épocas iluministas, o legado, com obras, descobertas, instituições, que ocupava o centro. Hoje, vivemos um tempo em que se valoriza intensamente a longevidade e o êxtase do presente”, afirmou.
O lançamento contou com uma sessão de autógrafos aberta ao público e reuniu admiradores do autor, intelectuais e amantes da boa leitura. A obra está disponível nas principais livrarias em formato impresso e digital. Giannetti recomenda a leitura cuidadosa: “Esse não é o tipo de livro para ler com superficialidade. É uma provocação para que cada pessoa reflita sobre algo que nos acompanha desde a infância: o que será de mim depois que eu me for? Eu deixei algo que será lembrado ou passei como se nunca tivesse existido?”, questionou.
Com narrativas que flertam com o sobrenatural, distopias e universos psicológicos densos, a coletiva desta sexta-feira (13) do CINE PE reuniu diretores e atrizes para debater os bastidores e os desafios de produzir cinema fantástico no Brasil. Durante o momento, foram abordados o preconceito que ainda cerca o gênero, além das complexidades de lidar com temas sensíveis através de metáforas visuais e sonoras.
A seleção exibida na noite da quinta (12) foi uma amostra da diversidade estética e temática do gênero. Da ficção científica à psicologia do horror, passando pelo realismo mágico e pelo drama claustrofóbico da maternidade, os filmes da Mostra Competitiva de curtas e longas revelaram um cinema brasileiro disposto a desafiar convenções.
Em Casulo, da diretora Aline Flores, o fantástico se manifesta na tensão latente e na iminência de algo prestes a ruir. A trama acompanha uma mulher que tenta provar à sociedade e a si mesma que pode cuidar do filho sozinha. Já em Caverna, da diretora Louise Fiedler, o debate chega ao tratar da relação simbiótica e tóxica entre mãe e filha. A atmosfera do filme, marcada por um ambiente opressor e sem saídas aparentes, serviu como metáfora para laços familiares doentios e silêncios emocionais. “A caverna não é só física. Ela é emocional, social e existencial”, afirmou.
O curta Lança-Foguete, de William Oliveira, provocou tanto dentro quanto fora das telas. Antes da exibição, luzes verdes foram lançadas no céu do Recife, uma ação de marketing realizada em parceria com o coletivo Recife Ordinário. “Ainda existe muito preconceito com o cinema fantástico no Brasil”, pontuou Thiago Rocha, diretor de produção. “A gente quer sair da bolha e é por isso que estamos pensando em como levar essa coisa do tema da abdução alienígena para outras regiões. Então, para dar continuidade ao marketing, a gente pode sim pensar em uma parceria com o Recife Ordinário para fazer collab com outros perfis de Ordinários pelo Nordeste e atingir um público maior”, completou William.
Em Sertão 2138, o curta imagina um futuro distópico onde uma cientista precisa tomar decisões cruciais para além da Terra. “Produzir um filme como esse é um trabalho difícil, porque exige criatividade técnica e narrativa”, disse Deuilton B Júnior.
Encerrando a coletiva, o diretor André Luís Garcia, do longa Itatira, comentou sobre o uso do som como elemento central na narrativa de seu documentário com tons sobrenaturais. O filme parte de um fato real, a morte de um jovem em uma escola, e mergulha nas reações místicas e coletivas da cidade. “O som faz parte de uma narrativa muito importante para povoar o universo de um jeito um pouco fantástico. São questões pontuais de construção sonora, que fortalecem a contemplação”, refletiu.
A noite de quarta-feira (11) no Cine PE foi marcada por uma mistura entre ficção, distopia, memória e estratégia de marketing. As exibições da Mostra Competitiva trouxeram uma seleção de curtas e um longa que apostaram em diferentes abordagens visuais e narrativas que seguiu da ancestralidade do futurismo sombrio a reflexões íntimas sobre identidade e pertencimento.
O grande destaque da noite foi a exibição de “Lança-Foguete”, curta pernambucano dirigido por William Oliveira, que movimentou as redes e o céu do Recife antes mesmo de sua estreia na tela. Para divulgar a sessão, o grupo promoveu uma intervenção urbana: luzes vermelhas foram projetadas no céu recifense, gerando curiosidade e burburinho digital. A ação performática antecipou o clima do filme, que aborda a cultura popular de forma provocativa, com forte apelo visual e político. “Talvez algumas pessoas da plateia possam ter visto notícias de luzes estranhas aparecendo essa semana nos céus de Recife. E a gente revela esse mistério no Cine PE, através do Lança Foguete”, afirmou. “Estou muito feliz de estar aqui no festival. Para mim é muito significativo estrear o filme aqui na cidade, afinal, é um filme que tem muito do Recife e de seus elementos, do nosso dia a dia, a nossa rotina. Estou muito, muito feliz”, pontuou William.
O filme é uma realização em parceria com a equipe do perfil Recife Ordinário, conhecido por seu olhar irônico e crítico sobre o cotidiano da cidade, e conta com a participação da jornalista Meire Lanuce. “Eu faço um personagem de mim mesma”, contou Meire. “Eu considero as produções audiovisuais um refino do que é a nossa cultura. Como eu gostaria que cada vez mais famílias trouxessem novas gerações para ver trabalhos tão lindos”, ressaltou a jornalista.
Ainda na Mostra Pernambucana de Curtas, o público conferiu “Sertão 2138″, dirigido por Deuilton B. Júnior, que leva o espectador a uma viagem pelo futuro distópico de um sertão tecnologicamente avançado, mas ainda marcado por desigualdades. O curta mistura elementos de ficção científica e crítica social, utilizando linguagem visual arrojada e um roteiro que questiona os rumos do progresso.
Na Mostra Nacional de Curtas, “Casulo”, de Aline Flores, que trata de uma jovem em processo de transformação pessoal e sexual em um ambiente familiar opressor; e “A Caverna”, de Louise Fiedler, uma ficção paranaense com forte carga simbólica e cenários minimalistas que evocam isolamento, introspecção e resistência.
Fechando a noite, foi exibido o longa documental “Itatira”, dirigido por André Luís Garcia, que mergulha na realidade da pequena cidade cearense que dá nome ao filme. Garcia constrói um retrato da vida no interior do Brasil, com suas rotinas, festas, religiosidade e silêncios.