Depois de uma quinta-feira (1º) repleta de histórias de mistério, a coletiva de imprensa do Cine PE, realizada na manhã desta sexta-feira (2), rendeu uma grande diversidade de assuntos. Conversas sobre a preparação do ator, legendagem para surdos e ensurdecidos e o crescimento da produção de filmes de terror e suspense no Brasil fez com que o debate se estendesse por cerca de meia hora além do tempo programado.
O país vivencia uma ótima safra de filmes de horror, a exemplo de “As boas maneiras”, longa de 2017 da dupla Juliana Rojas e Marco Dutra. Após uma sessão com três produções do gênero, grande parte da conversa girou em torno dos curtas “Coleção”, de André Pinto e Henrique Spencer, “Guará”, de Fabrício Cordeiro e Luciano Evangelista, e “Casa Cheia”, de Carlos Nigro.
Outro assunto muito discutido na roda foi a influência da bagagem do expectador sobre sua percepção do filme – ou, mais especificamente, as possíveis interpretações do filme “Um e Oitenta e Seis Avos”, de Felipe Leibold, participante da Mostra Competitiva de Longas-Metragens. O drama com um mote enigmático deu vazão às mais diversas ideias sobre seu significado. “Que bonito ver esses olhares subjetivos de vocês sobre a nossa história”, comentou a atriz Talita Feuser.
O elemento em comum entre os filmes exibidos na última quinta-feira (1º), durante a 23ª edição do Cine PE, é que cada personagens precisa lidar com algum mistério pessoal. Júlio é assombrado pelos acontecimentos sobrenaturais que invadem sua casa ao resgatar um acervo de fotos antigas de seu avô, na ficção pernambucana “Coleção”, de André Pinto e Henrique Spencer. Em uma cidade, moradores são atormentados por um lobisomem possuído por um desejo insano de estripar suas vítimas no suspense “Guará”, de Fabrício Cordeiro e Luciano Evangelista.
Seguindo o mesmo tom sombrio, o pernambucano “Casa Cheia”, de Carlos Nigro, fala sobre esquecimento e abandono. Júlia, personagem da animação “Só Sei Que Foi Assim”, de Giovanna Muzel, sente as partes do seu corpo se despedaçando diante de sua rotina. E até no poético “Vinillis Frutiferis”, um jornalista é levado ao interior do Espírito Santo por uma misteriosa safra de árvores cujos frutos são discos de vinil.
Também é enigmático o longa-metragem carioca “Um e Oitenta e Seis Avós”, do diretor estreante Felipe Leibold. O drama tem como ponto de partida um estranho diagnóstico do desaparecimento de órgãos, como rins e pulmões, de sua personagem principal. A atração pelo mistério é tão perceptível que até mesmo os discursos de apresentação das produções foram pautados pela máxima do “menos é mais” – talvez pelo fato de um mesmo filme ser consumido de diferentes formas por cada expectador, mas principalmente porque a melhor sinopse para cada uma das películas exibidas seria assistí-la e tirar suas próprias conclusões. O próprio material de divulgação das produções pouco explicava, mas foi suficientemente instigante para lotar novamente o Cinema São Luiz.
Na noite desta sexta-feira (2), o festival dá continuidade a sua programação a partir das 19h30, com a exibição do curtas “Epigramas”, “S/N (Sem Número)”, “Tommy Brilho”, “Vivi Lobo e o Quarto Mágico”, “À Margem do Universo”, “3x Melhor”, “Lembra” e “O Mistério da Carne”. Em seguida, o Cine PE exibe o documentário em longa-metragem “Espero Tua (re)volta”, de Eliza Capai. As entradas são gratuitas.
Uma das coisas mais fantásticas do gênero documentário é seu poder de congelar memórias. Para quem conhece a premiada imagem dos meninos albinos do fotojornalista Alexandre Severo – morto no mesmo acidente aéreo que levou precocemente o ex-candidato à Presidência da República e ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos -, ver o menino Kauan na tela do Cinema São Luiz na noite da última quarta-feira (31) foi rememorar uma história que Severo contou com os olhos. Ainda mais emblemático foi comparar o jovem de 16 anos que subiu ao palco do Cine PE com o menino de 11 que estrelou o curta “Cor de Pele”, de Lívia Perini. Desenvolto nas imagens gravadas em 2014, Kauan mostrou-se tímido diante da plateia.
“Cor de Pele”, que concorre na Mostra Competitiva de Curtas-Metragens Nacionais, acompanha um menino albino, nascido de pais negros, que descreve de forma espontânea a rotina de sua atípica família, formada por três irmãos albinos e três negros. No telão, uma criança que questiona o preconceito e a tecnologia, e arranca do público uma salva de palmas e assobios. No palco, um retratado que cresceu, formou seu caráter, mas que poderá – como ele mesmo diz na película – revisitar um mesmo momento pelo resto da vida, graças à produção audiovisual. Foi essa constatação que proporcionou um clima nostálgico, mas também muito contemporâneo, à terceira noite de exibições do 23º Cine PE. O filme dividiu a programação com outros seis curtas.
Abrindo a noite, foi exibida a animação pernambucana “Quando a Chuva Vem?”, de Jefferson Batista, um stop-motion que remonta a seca que assolou o Nordeste brasileiro entre os anos de 1979 e 1985. Depois o festival exibiu “Sobre Viver”, documentário gravado em Caruaru que fala sobre prostituição. “Obeso Mórbido”, de Diego Bauer e Ricardo Manjaro, trouxe para o evento uma discussão sobre obesidade e a ditadura do emagrecimento. Contado em forma de poesia, “É Difícil te Encontrar”, de Sabrina Menedotti, também integrou a programação. Além deles, foram exibidos “A Pedra”, que acompanha uma família em um passeio frustrado de rafting, e a animação “Apneia”, que aborda, de forma poética e delicada, temas difíceis como maternidade e abuso sexual. Por fim, o público do Cine PE assistiu ao documentário em longa-metragem “Vidas Descartáveis”, que aborda a temática do trabalho escravo moderno no Brasil, último país a abolir oficialmente a escravidão.
Nesta quinta-feira (1º), a partir das 19h30, o Cine PE exibe os curtas “Coleção”, “Guará”, “Casa Cheia”, “Vinnilis Frutiferis”, “Só sei que foi Assim” e o longa-metragem “Um e Oitenta e Seis Avos”. As entradas são gratuitas.
Em um mundo dominado pelo audiovisual – onipresente não apenas nos filmes, seriados, novelas e programas de TV, mas também em propagandas televisivas, plataformas de streaming e nas redes sociais –, é necessário discutir a formação e qualificação dos profissionais da área. Pensando nisso, Sandra Bertini, diretora do Cine PE, convidou o professor Eduardo Cavalcanti e o ex-Secretário do Audiovisual Pedro Henrique Peixoto para ministrarem o workshop “A Importância do Ensino Técnico para o Norte, Nordeste e Centro-Oeste”.
Em pauta, Cavalcanti, que é editor-chefe do Portal LeiaJá, trouxe para o debate dados importantes sobre como a sociedade consome o audiovisual atualmente. Como exemplo, o professor citou os irmãos-fenômeno do YouTube, Felipe e Luccas Neto, que exibem números de acessos e seguidores capazes de provocar inveja em qualquer programa de televisão. Embora não seja muito conhecido no mundo artístico e nem tenha o canal com maior número de inscritos da plataforma, Luccas Neto é o brasileiro mais assistido por lá.
Eduardo explicou sobre a visão de Felipe e Luccas, que hoje contam com uma equipe de preparação de 22 profissionais – maior até do que a de muitos programas de TV. “A formação e o estudo são necessários para que se entenda o mercado na hora de produzir”, explicou o professor. Pedro Henrique Peixoto, com seu vasto conhecimento em canais televisivos, endossou o debate, trazendo inúmeros depoimentos de experiências vividas por ele. “Não é só a criatividade que faz o sucesso: os profissionais também precisam se reinventar e conhecer o que as pessoas consomem. Não dá para trabalhar com base apenas no que você gosta e no que lhe agrada, o mercado exige mais que isso”, comentou Peixoto.
Na última quinta-feira (1º) o 23° Cine PE – Festival do Audiovisual sediou seu último seminário. O workshop foi ministrado por Bill Labonia, do Roteirista Empreendedor, e abordou formas alternativas de distribuição de audiovisual, mostrando cases de sucesso e dando dicas para ganhar dinheiro com a produção de curtas-metragens.
Labonia proporcionou aos presentes uma palestra dinâmica, exemplificada com algumas de suas experiências profissionais, vividas entre os EUA e Canadá. Sobre as melhores formas de investir nas produções, opinou: “Existem diversas formas de financiamento para a produção audiovisual, como por exemplo, o Catarse (plataforma de crowdfunding ou financiamento coletivo). Mas não usem dinheiro do próprio bolso, porque isso limita muito a produção. A gente acaba por não usar o dinheiro da forma correta, escolhendo locações mais baratas com medo de gastar e perder o investimento”. O consultor ainda explicou sobre a necessidade do produtor audiovisual pensar e estruturar o projeto visando à monetização do filme. “Nunca havia passado pela minha cabeça que curta-metragem pudesse dar dinheiro”. O seminário encerrou a programação do festival voltada para formação na área de economia criativa e audiovisual.