O primeiro dia de coletivas da 29ª edição do Cine PE foi marcado por relatos e reflexões que giram em torno da violência contra os corpos femininos e das estratégias de resistência construídas por mulheres diante da dor. Na ocasião, cineastas, atores e atrizes dos curtas e do longa-metragem exibidos na abertura do festival reforçaram o compromisso de transformar o cinema em ferramenta de denúncia, memória e empatia.
“A Melhor Mãe do Mundo”, novo longa de Anna Muylaert, apresenta a trajetória de uma catadora de recicláveis que foge de casa com os filhos após ser ignorada pela polícia ao tentar denunciar o marido abusivo. Entre a crueza da realidade e a potência da ficção, Muylaert constrói uma narrativa sobre maternidade, violência e invenção de futuros. “Toda mulher tem uma história de violência, em algum grau, para contar. A gente revisita, inclusive, as histórias de mulheres da nossa família. Gal me atende em todos os sentidos, espirituais e profissionais. Ela é uma búfala, um animal potente, imbatível, forte”, destacou a protagonista Shirley Cruz.
Presente na coletiva, a cantora e atriz Luedji Luna contou sua experiência de estreia no cinema. “A Anna tem um jeito de dirigir que me deu liberdade e, apesar de muito medo, eu senti que tinha asas para transitar nesse universo. Trouxe a maternidade baiana, a referência da minha mãe, das minhas tias, numa educação baseada na ação, de prover alimento, na limpeza da casa, sem ser afetuosa. Afinal, ser uma mulher traída e viver um casamento desrespeitoso é um lugar extremamente opressivo e violento”, apontou.
CURTAS – A pernambucana Vitória Vasconcellos destacou a experiência de trabalhar com película pela primeira vez em “Esconde-Esconde”, ficção protagonizada por ela mesma. O filme aborda, com sensibilidade e tensão, os limites impostos às mulheres em um país que ainda nega o direito à autonomia corporal. “Para o filme, usamos uma câmera francesa dos anos 1960, e foi minha primeira experiência com uma 16mm. Isso me proporcionou um trabalho muito colaborativo e me fez viver narrativas diferentes”, disse Vitória durante a coletiva.
Baseado na história real de uma mulher condenada como mandante da morte do ex-marido, o documentário “Liberdade sem Conduta”, de Dênia Cruz, reconstrói o silêncio e a dor de uma década de abusos, culminando em um gesto extremo de sobrevivência. “Ela não está nas estatísticas porque cometeu um crime para se defender. Não se trata de justificar, mas de entender o que leva uma mulher ao limite”, destacou a diretora.
O pernambucano Leo Tabosa, com o filme “Cavalo Marinho”, lançou luz sobre o envelhecimento da população LGBTQIAPN+, tema ainda raramente tratado no audiovisual brasileiro. “Falar dessa velhice é também falar de memória, de afeto e de abandono”, declarou Tabosa.
Presente na Mostra Hors Concours, “Eu Preciso Dizer Que Te Amo” foi pensado para a tela a partir do desejo da juventude de Jaboatão dos Guararapes. “Foi emocionante fazer parte desse processo. Esse projeto me impulsionou a fazer um curso de Multimídia e me levou para o que eu gosto. Agora, todos nós temos um pedacinho do Cine PE”, afirmou Kelle Aquino, uma das estudantes que atuaram na produção do filme.
O Cine PE segue até o dia 15 de junho, com exibições no Teatro do Parque.