André De Biase, que fez a assessoria de imprensa do 18.º Cine PE, refletia na sexta-feira à noite – "A gente se prepara de todas as formas, para que tudo dê certo, mas ninguém poderia esperar que uma coisas dessas fosse ocorrer." De Biase referia-se à morte do crítico e agitador cultural baiano João Carlos Sampaio, que se sentiu mal no hotel e morreu na madrugada daquele dia, deixando consternados seus colegas no Festival do Recife. João recebeu a homenagem do Cine PE e de seus companheiros da Abracine, a Associação Brasileira de Críticos de Cinema, da qual era sócio fundador. A cúpula da entidade, liderada pelo crítico do Estado, Luiz Zanin Oricchio, subiu ao palco do Teatro Santa Isabel e um vídeo foi providenciado pelo Canal Brasil.

Basicamente, um depoimento (emocionado) do diretor André Morais, de quem João Sampaio foi ator no curta MPB – A História Que não Foi Contada. A presença alegre do homenageado na tela – ele era daquele jeito – contrastava com o clima de tristeza. As outras duas homenagens da noite, essas, programadas com antecedência, também resultaram fúnebres. Dona Lúcia Rocha, mãe do cineasta Glauber Rocha, morreu a poucos meses da celebração, pelo festival, dos 50 anos do clássico que deu projeção internacional a seu filho – Deus e o Diabo na Terra do Sol. Novamente Luiz Zanin Oricchio subiu ao palco para receber o troféu em nome da família. E aí veio a homenagem ao ator e diretor José Wilker. Receberam o prêmio a filha do ator e suas três tias, irmãs de Wilker.

Deu pra ti, baixo astral. A segunda premiação do Cine PE foi realizada na sequência, tudo muito rápido e discreto. Na terça, os júris de curtas e documentários haviam outorgado suas Calungas, o troféu que representa a dançarina de frevo. Venceram na categoria de documentários – O Mercado de Notícias, de Jorge Furtado, melhor filme, e o português Joaquim Pinto, de E Agora? Lembra-me, como melhor diretor. O admirável E Agora? Lembra-me, melhor filme do 18.º Cine PE – todas as competições confundidas -, venceu o prêmio da Abracine. O júri de ficção descarregou seus prêmios em Muitos Homens num Só, da diretora estreante Mini Kerti. Ela ganhou nove Calungas do júri, mais uma – a décima – como melhor filme do público. Cada Calunga era, compreensivelmente, motivo de festa para os vencedores.

Mini ganhou aquilo que, em Hollywood, se chama de 'Big Five' – melhor filme, diretor(a), ator (Vladimir Brichta), atriz (Alice Braga) e roteiro (Leandro Assios, o primeiro dele). Pode-se considerar excessiva a chuva de Calungas, mas não necessariamente injusta. O júri só se equivocou, e gravemente, ao duplicar prêmios e atribuir um excesso de menções. De forma distributivista, contemplou (quase) todos os filmes que concorriam. Só um dos seis não ganhou nada, e aqui tivemos o nó górdio. O argentino Todos Tenemos Un Plán, de Ana Fiterberg, era muito bom (o melhor?). O júri deu três prêmios para Romance Policial, de Jorge Durán, e depois veio o comunicado de que o ator coadjuvante citado no palco, não era o que o júri queria premiar (veja tabela). O júri, talvez como provocação, também deu menção ao filme mais detestado pela crítica – Mundo Deserto de Almas Negras, de Ruy Veridiano.

Uma comédia de erros, e parte deles pode ser creditada à comoção daquele (pesado) último dia. Mas existem aspectos que não podem ser ignorados. Chamado de Maracanã dos festivais, pelo calor do público que tradicionalmente lotava o Cine-Teatro Guararapes, o Cine PE assistiu este ano à deserção dos espectadores. Houve dias em que o público não cobria um terço da casa, e até menos. O festival também está no centro de uma polêmica com a classe cinematográfica local. Críticos, diretores e estudiosos locais boicotam o Cine PE, dizendo que o casal Sandra e Alfredo Bertini faz seu festival para a crítica do Sul/Sudeste, não para a cultura cinematográfica total. Chuvas, com alertas de enchentes, e outras ofertas de programação ajudam a explicar a redução do público, mas ela é preocupante. A nova curadoria do crítico Rodrigo Fonseca, embora com foco – nas questões da identidade e da memória -, também teve seus problemas. A internacionalização foi tímida, prevaleceu a latinidade. Pior que tudo – os júris foram todos brasileiros. Um olhar estrangeiro talvez ajudasse a corrigir equívocos.

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